13 maio 2011

Maupassant às 5

No pernoite, pelo calçamento dos bares e pelas esquinas de maconheiros, a xepa espiritual nas rodinhas de velhos amigos e novos conhecidos requer manejo para com o resultado alheio de uma noite não dormida.

Enquanto as pessoas de bom senso já foram pra casa, às cinco da matina restam o infeliz solitário à espera de um pouco de sorte com as mulheres, o bêbado que não quer dormir tão cedo, o amante com a gatinha chapada e cheia de tesão e o cara que não bebe mas está amarradão em papear sobre coisas inteligentíssimas até o sol nascer.

O tal manejo para com o resultado alheio é a variável da equação entre esses elementos, só ele que pode dizer o seu nível de babaquice ou cinismo.

Estou eu ao redor de comparsas e um casal de estudantes de Letras, numa calçada botequeira da cidade do interior de São Paulo onde mulheres são cuspidas da terra durante a noite e se picam para só Deus sabe de uma hora para a outra.

A Sra. Letras é um desejo copular recorrente. Em seu shortinho jeans exerce grande atração sobre a carcaça ranzinza desse que vos bloga, desde botecos e eventos anteriores, sozinha, como de costume, ou acompanhada de seu mais novo affair e companheiro de categoria universitária.

Ela enlaça os braços ao redor da cintura de seu respectivo, depois entorna uma garrafinha de Heineken e se escora à parede, ao tempo que um de seus pés, extrema extensão de pernas tatuadas muito atraentes, roça as canelas do Sr. Letras, personagem que fez este texto existir.

O Sr. Letras.

Você conhece o figura. Vez ou outra, todos têm às fuças um Sr. Letras, um Sr. Psicologia, um Sr. Star Wars. Não falo dos chegados aos porquês, dos chegados à troca de pois-fique-sabendo. A parada desses senhores está em sua autoafirmação intelectual, em sua molecagem.

Molecagem essa que faz o Sr. Letras entrar numa discussão literária com um sujeito dotado de teorias cambaias do ramo — eu — e deixar a teteia escoradinha na parede beber sozinha e lançar suas pernadas libidinosas no espaço vazio.

Ataques de pernas tatuadas muito atraentes, já devo ter dito. E o rapaz trocando-as por Maupassant às cinco da matina, veja só.

Não havia muito a ser feito senão entrar no cinismo e abraçar a ideia de falarmos sobre livros até o fim dos tempos, sobre os ensinamentos de Flaubert, por que não?, até ela, não se aguentando em pé sozinha de cervejas, lá pelas tantas, quem sabe, desencanar do cara, assim criando uma chance para o lado de cá?

Mas a madrugada é exigente. Em troca de algumas horas, joga bons homens na sarjeta, rouba-lhes parte do ordenado, engana-os com jogos de azar e com mulheres que não saíram de casa com calcinha adequada para ser retirada – não adequada a partir do julgamento delas, obviamente.

Desse plano astral se rumina trololó sobre literatura, e do Além Maupassant bisbilhota a pequena cabalear, algumas vezes, para a esquina próxima e enfiar o dedo na goela, sem conseguir vomitar. Então na sequência dos fatos voltar, sem grande comoção da parte do Sr. Letras, para a roda do Mau.

O Sr. Letras. Ah, o Sr. Letras.

O sol vem. Aos pobres diabos que acordam cedo de domingo para a lida do ganha-pão, às gargantas secas de ressaca, aos cães de rua, a bênção de Deus. E o fim de mais uma noitada desanda na garota de shortinho jeans, pernas tatuadas muito atraentes e libido embriagada a puxar de canto o Sr. Letras e a beijá-lo, despedir-se e.......... ir embora.

Ir embora.

Cruzar a esquina, sozinha. Apenas ela e aquelas pernas.

O Sr. Letras? Este lá ia perder um papo sobre literatura? Voltou para nós, quem não voltaria?

Na calçada botequeira da cidade de mulheres que aparecem e evaporam no ar, restamos nós, comparsas de alucinações sobre como o mundo funciona, o Sr. Letras em sua infinita retórica, o coitado do escritor francês morto e eu, o solitário tagarela.

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